Na última reunião do Conselho Polonês de Transplante, especialistas discutiram a necessidade de estabelecer uma equipe para analisar minuciosamente os riscos associados à introdução do xenotransplante.
O xenotransplante, o transplante de órgãos entre espécies, representa uma das direções mais fascinantes e controversas na pesquisa de transplantes.
“Queremos que o xenotransplante seja um dos pontos do Programa Nacional para o Desenvolvimento da Medicina de Transplante”, disse à Euractiv o Consultor Nacional de Transplantologia Clínica, Prof. Grąt, que iniciou a reunião.
O futuro do xenotransplante
Em vista da crescente demanda por órgãos transplantáveis e da dramática escassez de órgãos disponíveis, os cientistas devem explorar novas soluções. Uma solução potencial é o transplante de órgãos de animais.
Os porcos estão entre os melhores candidatos para doadores de órgãos.
Os órgãos dos porcos são anatomicamente semelhantes aos órgãos humanos, e os porcos carregam poucas doenças que podem ser transmitidas aos humanos, tornando-os mais seguros do que os primatas. Além disso, os porcos são relativamente fáceis e econômicos de reproduzir – eles têm períodos curtos de gestação, ninhadas grandes e amadurecem rapidamente.
Por enquanto, os xenotransplantes ainda são vistos como uma terapia experimental usada apenas para pacientes que não têm outras opções de tratamento.
Por exemplo, em 2022, o primeiro transplante bem-sucedido de coração de porco do mundo foi realizado em um homem americano de 57 anos que não era elegível para um transplante de coração humano.
Infelizmente, o paciente morreu dois meses após a cirurgia. Mais tarde, descobriu-se que o coração do porco estava infectado com citomegalovírus suíno, o que pode ter contribuído para a morte do paciente.
Em março de 2024, cirurgiões em Boston transplantaram com sucesso um rim de um porco geneticamente modificado para um humano pela primeira vez. O paciente com o rim transplantado viveu por dois meses. Os médicos declararam que sua morte não estava relacionada ao transplante do órgão.
“Acredito que ainda estamos longe do ponto em que essa solução poderia substituir transplantes de doadores falecidos ou vivos”, disse o Prof. Grąt à Euractiv. “No entanto, em certas situações clínicas, pode ser uma resposta parcial à enorme escassez de órgãos”, acrescentou.
Controvérsias sobre xenotransplante
É essencial lembrar que, apesar da imensa esperança associada ao xenotransplante, mais pesquisas são necessárias para garantir que essa nova tecnologia se torne totalmente segura e eficaz. Um dos principais desafios no transplante é o risco de rejeição de órgãos.
“Na minha opinião, o maior risco em transplantes de órgãos que salvam vidas é que o órgão transplantado pode deixar de funcionar. O xenotransplante só pode ser considerado quando estivermos confiantes de que os órgãos transplantados funcionarão a longo prazo”, explicou o Prof. Grąt à Euractiv.
Apesar de sua promessa de salvar as vidas de pacientes que aguardam transplantes, o xenotransplante também levanta controvérsias éticas significativas. Elas incluem a ética da criação e uso de animais somente para o propósito de coleta de seus órgãos, questões relacionadas à dignidade de humanos e animais e preocupações quanto à “não naturalidade” do processo.
A maior controvérsia, no entanto, decorre do risco de transmissão de vírus animais desconhecidos, o que poderia levar a novas pandemias.
“Determinar com precisão o risco de transmissão de doenças zoonóticas durante o transplante é extremamente difícil. Modelos experimentais não representam totalmente o risco real de transmissão de doenças. Dados reais virão apenas de pacientes que passarem por tais transplantes”, destacou o Prof. Grąt.
Estabelecendo diretrizes
Também é crucial desenvolver diretrizes nacionais para xenotransplante, mesmo que sua integração aos procedimentos médicos padrão ainda demore vários anos.
“Devemos agir agora para evitar ficar para trás quando a tecnologia se tornar amplamente disponível”, disse o Prof. Grąt. “Para esse fim, pretendemos reunir uma equipe de especialistas de vários campos, incluindo transplante clínico e cirurgia, para avaliar efetivamente os riscos associados aos xenotransplantes e seu potencial impacto na sociedade”, acrescentou.
O Prof. Grąt enfatiza que, independentemente da direção que a transplantologia tome, é crucial combater todas as formas de desinformação e teorias pseudocientíficas que podem enganar o público, principalmente no contexto da obtenção de órgãos de doadores falecidos.
“Não há controvérsias médicas no procedimento de identificação de potenciais doadores. No entanto, é importante que as pessoas sejam informadas de que as decisões sobre doação de órgãos são tomadas após a morte do doador, e esses órgãos podem salvar muitas vidas”, enfatizou.
Educação, disseminação de conhecimento e conscientização pública são objetivos de longo prazo que podem trazer mudanças reais.
Um bom exemplo é a Espanha. “Neste país, uma ampla campanha de mídia e social contribuiu para atingir o maior número de doadores de órgãos falecidos na Europa”, observa o Prof. Grąt.