Num quarto escuro, uma alavanca é acionada e uma máquina enche o espaço de excitação. O zootrópio mecânico começa a funcionar. Num movimento circular, figuras coloridas giram e giram, fundindo-se na plataforma elevada. As baleias azuis devoram os barqueiros. As tulipas ficam cada vez mais altas. No Museu e Jardim de Esculturas Hirshhorn, OSGEMEOS chegaram.
OSGÊMEOS—os gêmeos significa “os gêmeos” em português – são artistas de rua brasileiros e irmãos idênticos, Gustavo e Otavio Pandolfo. No Hirshhorn, a dupla apresentará a maior exposição de seu trabalho nos Estados Unidos no dia 29 de setembro. “OSGEMEOS: Endless Story” apresenta 1.000 peças de arte e objetos, todos coletados e criados desde a infância até os dias atuais. Inclui murais, pinturas e instalações que compõem salas inteiras. Um caleidoscópio de materiais – madeira, tela, lantejoulas e glitter – cobre cada superfície.
E tudo começou com uma lata de spray.
Quando crianças, em meados da década de 1980, OSGEMEOS descobriu o poder e a arte da cultura hip-hop. Depois que aprenderam a dançar break no bairro paulista do Cambuci, o amor pela pintura os levou à arte do graffiti. Quando adolescentes, transformaram a sua cidade numa galeria ao ar livre, convidando todos a entrar no seu universo de sonho. Hoje, eles mantêm o seu apreço duradouro pelo graffiti, citando a sua admiração pela etiquetagem e pelo “bombardeio” (um método de pintar tantas superfícies quanto possível numa área específica).
Por e-mail, os artistas falam como um só, referindo-se a si mesmos como “nós”. Com a arte são OSGEMEOS sempre.
“O hip-hop tem sido muito importante para nós como forma de educação”, afirma OSGEMEOS. É “uma forma de aprender a respeitar as pessoas, a respeitar os outros, a saber usar a cidade para não deixar que ela te use, a fazer da cidade um caderno de desenho”. Em 1998, OSGEMEOS viajou para Hamburgo, na Alemanha, e foi emocionado pelos grafiteiros da cidade, que pintaram fachadas inteiras de edifícios. Isso inspirou sua decisão de ampliar seus próprios murais. Os gêmeos enfatizaram a importância da parceria, celebrando seu trabalho com grafiteiros e artistas de rua como JR, Daze, Twist, José Parlá e Banksy. “A cultura hip-hop quebrou barreiras e salvou vidas”, acrescenta OSGEMEOS.
Numa prévia da exposição, OSGEMEOS descreveu seu amor e preocupação por São Paulo, chamando-a de uma cidade “intensa” em estado de mudança. Fotografias dos seus grafites demonstram como eles comentam esta tensão – e resistem a ela. Incontáveis peças não vivem mais nas muralhas da cidade, pois foram removidas por equipes de limpeza repetidas vezes. OSGEMEOS se inclinam para o meta em sua arte: muitas das figuras pintadas com spray são elas próprias grafiteiros, aparentemente pintando suas próprias mensagens em passagens subterrâneas e becos. Uma figura se dirige diretamente ao prefeito de São Paulo (“Sr. Prefeito”). Escrito em português, diz: “Apagar a arte é apagar a cultura, apagar a cultura é desrespeitar o povo”.
À medida que a reputação da OSGEMEOS crescia, também crescia a sua ambição. Eles levaram sua arte para além do Brasil, viajando pelo mundo e deixando sua marca em paisagens urbanas de Nova York a Berlim. Cada mural contava uma história – alguns de esperança, outros de nostalgia e muitos celebrando as culturas vibrantes que encontraram. A arte deles não era apenas um espetáculo; foi um convite para conectar, sonhar e explorar as narrativas invisíveis escondidas no mundano.
“O alcance e a intensidade da construção do seu mundo é algo que os torna realmente únicos”, diz Marina Isgro, curadora de Hirshhorn da exposição dos gêmeos. Com especificidade infalível, OSGEMEOS dominam a arte da tinta spray, introduzindo linhas de cores finas e precisas em seus trabalhos. Eles também aplicaram centenas e centenas de lantejoulas à mão, alinhadas em uma grade perfeita, para dar vida aos seus personagens. “Essas camadas de técnica e habilidade são algo que também os diferencia”, diz Isgro.
Desde a infância, a dupla confia um no outro como parceiros criativos. “Acho que sabíamos que seríamos artistas antes de nascermos”, diz Otavio em entrevista ao Studio Hirshhorn. “Nascemos juntos com isso, com os mesmos sonhos.”
Quando meninos, os gêmeos descobriram potencial artístico em cada imagem e som. Contaram com o apoio ilimitado dos pais, que incentivaram as suas inclinações artísticas e permitiram que transformassem a casa da família em arte viva. A sua exposição no Hirshhorn valida orgulhosamente esta colaboração multigeracional.
Com o avô, Gustavo e Otávio aprenderam a apreciar música clássica e ópera – influência percebida em sua instalação chamada A Sala da Lua. É um espaço envolvente com paredes meio azuis e meio vermelhas que mescla a rotina comum do sono com o fascínio fantástico do sonho. Através das janelas de uma casa improvisada, uma lua crescente iluminada reclina-se sobre uma cama semi-feita. “Nessun Dorma” da ópera Turandotcantada por Luciano Pavarotti, bomba nos alto-falantes. E não, não é um sonho febril. Mas parece um.
Desde os irmãos mais velhos, eles passaram a adorar o rock progressivo e a música pop – novamente, como testemunhado em seu próprio trabalho. Uma parede de discos pop brasileiros vintage deslumbra, as capas dos discos reconfiguradas e pintadas por OSGEMEOS. As capas explodiram com novas cores, os rostos dos cantores delineados em quadrados rosa choque e amarelo.
Como fãs de streetwear, eles cobiçavam marcas de grife, mas não tiveram acesso à Adidas ou à Kangol quando adolescentes. Em uma caixa de vidro, um chapéu estilo Kangol, cuidadosamente costurado pela avó, repousa sobre um manequim. Três tecidos, uma série de tapetes com gancho, foram bordados por Margarida Pandolfo, sua mãe. Esta é uma história não apenas de OSGEMEOS, mas de seus primeiros e mais ferozes apoiadores: sua família.
E depois, claro, há Tritrez, o universo inspirador e caprichoso concebido pelos irmãos quando crianças. Personagens de marca registrada povoam este mundo vibrante: figuras de cabeças grandes com pele amarela brilhante, sereias com pálpebras pesadas e cabelos arco-íris, dançarinos de break de cores diferentes realizando cortejos em uma plataforma de metrô. Segundo OSGEMEOS, parte do seu dever como artistas é “materializar as imagens maravilhosas da nossa experiência em Tritrez – as cenas, as cores, o cheiro”.
A dupla é deslumbrante Altar Tritrez é uma estrutura de arco-íris construída pela primeira vez em 2020 e exibida fora do Brasil pela primeira vez no museu. Tons pintados de laranja, creme e dourado retratam um pôr do sol celestial, e uma moldura de flores brilhantes circunda a paisagem celeste em grande escala. Em frente à pintura, um personagem de Tritrez em tamanho real olha para a sala da galeria. Ele está abrindo o zíper de sua pele cor de limão como um terno, revelando uma figura brilhante por baixo. Parece uma metáfora para tudo o que os irmãos exultaram em relação a Tritrez. Assim como esse personagem, um dia eles abandonarão os limites de seu corpo humano e retornarão ao seu lar fantástico. “É de onde viemos e para onde vamos”, dizem OSGEMEOS. “Tritrez é aquilo em que acreditamos, nosso nível espiritual, nosso portal.”
Isgro afirma que o título da exposição, “Endless Story”, foi inspirado no design curvo do próprio museu. À medida que OSGEMEOS caminhava pelas galerias, eles descreviam a experiência como um “loop sem fim”, uma ideia que ressoou neles e na continuidade de seu trabalho. Com esta exposição, esperavam apresentar um arco de desenvolvimento estilístico, que “continua a circular”, explica Isgro.
Na verdade, o seu trabalho é repleto de cores, sons e espaços brilhantes – vai do design de moda aos murais e às batidas pulsantes do electro-funk e do hip-hop. A partir das paisagens e paisagens urbanas do Brasil, OSGEMEOS procurou fazer um “mundo no qual você possa mergulhar”. Aqui, na “História Sem Fim”, todos podem dar esse salto.