Ciência

Este dispositivo inovador permite que paleontólogos sul-americanos compartilhem fósseis com o mundo

O PaleoScan opera no Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (conhecido pela sigla MPPCN) no Brasil. Para um procedimento típico, vários fósseis são colocados juntos na placa de calibração para serem escaneados simultaneamente.

Em outubro de 2021, o cientista da computação da Universidade de Nova York Claudio Silva se viu no porão de um museu de paleontologia no remoto nordeste do Brasil. Ele tinha acabado de visitar um local de escavação na vizinha Bacia do Araripe, uma das regiões mais ricas em fósseis do mundo — uma jornada que exigiu um voo em uma pequena aeronave de quatro lugares. Agora, ele estava cercado pela generosidade daquela bacia no Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (conhecido pela abreviatura portuguesa MPPCN). Um labirinto de estantes de metal do chão ao teto estava empilhado com pilhas dos fósseis mais lindos que ele já tinha visto — peixes, insetos, ouriços-do-mar, tartarugas, pterossauros.

Meses antes, em casa, em meio à pandemia de Covid-19, Silva havia lido um artigo no jornal que abriu seu mundo. A história mencionava um fóssil de pterossauro incrivelmente raro, o mais completo já encontrado, que foi apreendido em uma batida policial em uma rede de contrabando em um porto brasileiro, junto com outros 3.000 espécimes. O que se destacou para ele foi onde os fósseis foram extraídos — a Bacia do Araripe, na região de Santana do Cariri, perto de sua cidade natal. Silva é especialista em visualização gráfica e processamento de geometria, não em ossos de dinossauros. Mas, recém-saído de um projeto desenvolvendo software para escanear espécimes de peixes preservados, ele se sentiu confiante de que poderia ajudar a digitalizar a coleção do MPPCN.

Mas agora, cercado por montanhas de fósseis, sua promessa de digitalizar todos os 11.000 espécimes da coleção do museu de repente pareceu incrivelmente assustadora. Silva não admitiria a derrota, no entanto. Em dois curtos anos, ele resolveu voltar, com um dispositivo de sua própria criação que poderia revolucionar a paleontologia na América do Sul, ao mesmo tempo em que tornaria o campo mais equitativo. O scanner inovador que ele construiu tem o potencial de abrir a digitalização de fósseis para museus pobres em recursos, mas ricos em fósseis, em todo o sul global.

Os fósseis da Bacia do Araripe

A qualidade dos fósseis encontrados no Araripe — frequentemente com conteúdo estomacal intacto, parasitas branquiais, plantas, bactérias e fungos — impressiona até os paleontólogos mais experientes. “A Bacia do Araripe tem uma característica única: a preservação excepcional de seus fósseis”, diz Álamo Saraiva, paleontólogo da Universidade Regional do Cariri, a principal unidade de pesquisa paleontológica do Brasil, e curador do MPPCN. “Aqui, partes moles podem ser encontradas preservadas, como se os espécimes tivessem sido congelados, embora tudo esteja petrificado.” A qualidade e o grande número de fósseis tornam possível reconstruir a teia alimentar do período Cretáceo e responder a grandes questões paleoecológicas sobre mudanças em ecossistemas inteiros ao longo do tempo.

Nova Olinda

Álamo Saraiva (à direita) fala com trabalhadores em uma pedreira de calcário em um local chamado Nova Olinda, na Bacia do Araripe. Os trabalhadores são instruídos a separar rochas que contêm fósseis.

Mas, apesar da riqueza científica de suas coleções, o MPPCN, assim como os museus de paleontologia rural da América do Sul, não tem o financiamento, a equipe e a tecnologia necessários para armazenar e estudar com segurança sua coleção de fósseis cientificamente valiosa. O afastamento da instalação também torna desafiador o acesso de paleontólogos internacionais e até mesmo de pesquisadores baseados em outras partes do Brasil. Enquanto vastas coleções ficam em porões como este, inacessíveis à comunidade paleontológica maior, essas grandes questões sobre ecossistemas pré-históricos permanecem sem resposta. Digitalizar os espécimes do museu, como já foi feito com muitas coleções no norte global, abriria uma riqueza de dados fósseis da Bacia do Araripe para cientistas do mundo todo.

Além disso, os fósseis abundantes da Bacia do Araripe há muito tempo fazem da região um alvo para contrabandistas, que atendem à demanda por fósseis de paleontólogos e colecionadores em nações mais ricas. “A Bacia do Araripe é o maior local de tráfico ilegal de fósseis do mundo, e esse crime vem esgotando o patrimônio científico e cultural do Brasil”, diz Saraiva.

O tráfico de fósseis atual é um resultado da longa história colonial da paleontologia em países como o Brasil. “O Primeiro Mundo realmente teve uma relação predatória com essas áreas”, diz Silva. “Cientistas do mundo todo iam para essas áreas e começavam suas próprias escavações sem autorização adequada e então contrabandeavam as coisas para fora.” O Brasil está atualmente em negociações de repatriação com a Alemanha, França, Estados Unidos e Reino Unido para obter os fósseis de volta.

Saraiva espera que escanear os fósseis da Bacia do Araripe e disponibilizá-los ao mundo reduza a demanda internacional por fósseis traficados. “Esta é uma boa aposta para garantir que pesquisadores estrangeiros não precisem recorrer ao tráfico para obter a forma de uma espécie”, ele diz. Além disso, uma vez que a forma de um fóssil é escaneada, ela não pode ser completamente perdida para a ciência: mesmo se for roubada ou perdida ou danificada (no transporte para outra instalação, por exemplo), existe um backup virtual. “A forma é o que é usado para descrição, seja ela feita de calcita, limonita ou resina plástica produzida por uma impressora 3D”, diz Saraiva. Ele também planeja disponibilizar o banco de dados de fósseis do MPPCN para a Polícia Federal do Brasil, para ajudá-los a identificar melhor os fósseis em sua luta para impedir o tráfico.

Procurando uma solução

Desde a década de 1990, os paleontólogos têm usado scanners de TC e outras tecnologias comerciais para digitalizar, modelar e carregar fósseis para enormes bancos de dados online como o Morphosource. Os bancos de dados fósseis revolucionaram a escala de perguntas que os paleontólogos podem fazer sobre ecossistemas antigos. Mas o sul global foi amplamente deixado para trás, porque os scanners existentes são incrivelmente caros, são difíceis de mover e operar em áreas remotas e exigem experiência para operar e manter. E transportar fósseis frágeis por grandes distâncias para centros urbanos com recursos de digitalização é caro e arriscado.

Sala de Fósseis

Fósseis ficam em uma sala de triagem no MPPCN no Brasil. Fósseis encontrados na região precisam ser entregues ao MPPCN, onde são inspecionados por especialistas que determinam se vale a pena mantê-los na coleção do museu ou se devem ser enviados para outros laboratórios. O PaleoScan é instalado em outro lugar da sala.

Após sua visita ao MPPCN, rapidamente ficou claro para Silva que um scanner comercial existente não seria a solução aqui. “Dado o número de fósseis e o afastamento da área, esse equipamento não seria apropriado”, ele diz. Levaria muito tempo para escanear a vasta coleção de fósseis com um scanner de TC de baixo rendimento — sem mencionar o custo ou a dificuldade de transportar um para o museu rural. Outros scanners comerciais, que usam câmeras 3D ou luz estruturada, dependem de condições controladas de laboratório e também estavam fora da faixa de preço. “Então, decidimos: vamos recuar um pouco e descobrir a maneira certa de fazer isso para que seja escalável e funcione para essas comunidades que têm mais fome de recursos.”

De volta a Nova York, Silva e sua equipe entraram no modo de solução de problemas — eles precisavam criar um novo scanner que pudesse digitalizar milhares de fósseis em alta resolução de forma rápida e barata. Além disso, ele tinha que ser portátil o suficiente para ser movido entre museus rurais por estradas irregulares e simples o suficiente para que a equipe do museu opere sem muito treinamento ou técnicos disponíveis. E o scanner tinha que ser capaz de operar sem computadores no local para processamento de imagens, que nem sempre estão disponíveis em museus rurais.

Eles chamaram o dispositivo que criaram de PaleoScan. Ele consiste em uma câmera de alta qualidade montada em uma estrutura que se move em dois eixos para tirar milhares de fotos individuais brutas de um fóssil sob condições de luz controladas. Toda a configuração é operada por um microcontrolador e uma tela sensível ao toque. Após capturar as fotos, ele imediatamente envia as imagens brutas para a nuvem para processamento externo. O software que a equipe de Silva desenvolveu então calibra e costura todas as fotos em um modelo 3D do fóssil.

Com o PaleoScan pronto para uso, Silva perguntou a Akinobu Watanabe, um paleontólogo do Instituto de Tecnologia de Nova York que trabalha com fósseis digitalizados, como as imagens do scanner se comparavam às das tecnologias existentes — era bom o suficiente para a ciência? Watanabe ficou impressionado com a resolução do PaleoScan e o que seu uso generalizado poderia significar para a paleontologia no sul global. “Empoderar museus e instituições com poucos recursos para escanear seus próprios fósseis e fornecer versões virtuais desses fósseis para o resto do mundo, eu acho, realmente ajudaria a comunidade científica, mas também as próprias instituições”, ele diz. “Eu acho que é uma virada de jogo.”

Conforme prometido, dois anos depois, em julho de 2023, Silva retornou ao Brasil para montar o PaleoScan no MPPCN. Ele foi recebido por um animado Saraiva e Naiara Cipriano, pesquisadora visitante do museu. “Claudio viajou de Nova York para a cidade de Santana do Cariri com essas grandes caixas de madeira de peso considerável”, diz Cipriano, “o que me fez pensar que quem tem vontade pode realmente fazer acontecer”.

Na semana seguinte, eles montaram o protótipo e começaram a testar uma variedade de espécimes. Um ano depois, várias centenas de fósseis foram digitalizados. O museu está em processo de solicitação de financiamento de subsídio federal para dar suporte à digitalização do restante da coleção em um ritmo mais rápido. “Como usuário do PaleoScan, posso atestar que é um dispositivo simples e eficiente”, diz Cipriani. “Os resultados preliminares que estamos obtendo são realmente notáveis.”

O futuro do PaleoScan

Museus no Chile e no México já demonstraram interesse no PaleoScan, diz Silva. Jeanette Pirlo, paleontóloga da California State University Stanislaus não afiliada ao projeto, também está animada com o dispositivo. Ela usa fósseis virtuais e impressos em 3D com base em escaneamentos em seu próprio ensino e extensão, pois sua universidade não tem o financiamento e a coleção de fósseis que as principais instituições de pesquisa desfrutam. Ela também tem um colaborador que trabalha com museus rurais na Colômbia que, segundo ela, se beneficiaria de um scanner barato — se o PaleoScan fosse adaptado para escanear em 3D verdadeiro. (Os fósseis na Bacia do Araripe são em sua maioria planos, então o modelo atual só move a câmera em duas dimensões.) Silva diz que esse é um objetivo futuro. “Ter acesso a algo como o PaleoScan, onde com um retorno muito rápido, você pode criar esses modelos 3D, é realmente poderoso”, diz Pirlo.

Para Gerhard Weber, um dos fundadores da paleoantropologia virtual e chefe de um laboratório de micro-CT na Universidade de Viena, o PaleoScan não é necessariamente o divisor de águas que a varredura de raios X foi. Como um scanner óptico, ele não pode penetrar em fósseis, o que é necessário para estudar os poucos dentes de hominídeos conhecidos e espécimes de crânio com os quais seu campo tem que trabalhar. Mas Weber diz que vê o valor do PaleoScan para a paleontologia. Pesquisadores no campo coletaram milhares de espécimes não digitalizados, e qualquer tipo de varredura seria uma melhoria em relação a nenhuma. Ainda assim, o maior desafio, ele diz, é garantir que os dados digitalizados sejam acessíveis.

Resultados Paleoscanos

A equipe calibra e testa o PaleoScan instalado no museu. Para colocar o PaleoScan em funcionamento, cientistas em Nova York e Santana do Cariri estavam em comunicação constante.

“Se eu sou um pesquisador de peixes, e vejo, nossa, eles têm 500 scans, eu quero obtê-los: Quais são os regulamentos?”, ele diz. “O PaleoScan está apenas fornecendo a tecnologia, mas então realmente depende da política e da estratégia dos museus, como eles lidam com isso.”

No MPPCN, pelo menos, essa abertura não deve ser um problema. O museu está buscando uma bolsa da agência de financiamento de pesquisa do estado brasileiro, conhecida como FUNCAP, para apoiar a digitalização de toda a coleção. Nesse ponto, “esse material será disponibilizado democraticamente às partes interessadas”, diz Saraiva. Ele espera que, quando a coleção for carregada em bancos de dados on-line, as varreduras fósseis promovam mais colaborações internacionais com pesquisadores brasileiros. “O conhecimento deve ser universalizado”, diz ele. “Para mim, esse é o propósito de fazer ciência. Ciência para apenas alguns atrapalha a humanidade e endurece o coração dos homens.”